O VELHO USO DO NOVO

Eu já havia desistido de comprar a revista Época. Mas é importante perceber que nem sempre a piora é definitiva. É o caso. Acidentalmente li no salão de barbeiro (alguém esqueceu a revista lá). Fiquei surpreso. O novo editor-chefe, Plinio Fraga, parece ter a cabeça no lugar, como verão no editorial que publico. Não tem nem o ícone dele. Apenas o supratítulo “dos editores”…


Editorial da edição de 30 de maio

O recurso ao batismo de algo como novo costuma ser mais pantomima do que propriamente novidade. Trata-se, em geral, mais de reembalagem do que de redenção. Para exemplificar, basta lembrar que a Nova República, como foi chamada a ascensão do primeiro civil à Presidência depois de 21 anos de ditadura, estava alicerçada em pactos e alianças construídos com esteios antigos do regime militar. O Partido da Renovação Nacional foi a legenda escolhida pelo presidente que prometia modernizar o Brasil e o encalacrou em financiamentos escusos e propinas que levaram a seu impeachment. A Nova Matriz Econômica foi o nome pomposo de uma política que se apresentava como esquerdista, mas na prática se erguia sobre o capitalismo de compadrio corrupto que redundou no segundo afastamento presidencial desde a redemocratização.

Nos dias correntes, apregoa-se a suposta existência de uma nova política. Assim pode ser dita caso pretenda-se restringi-la à designação de neófitos na ação parlamentar-governamental. Nada até aqui leva a apontar a existência de novos atores, com novas ideias e que estejam empenhados na inovação da atividade política representativa.

Grande parte do que vem sendo entendido como tal limita-se ao uso das redes sociais como ferramenta de proselitismo, purgação e agitação. As pesquisas demonstram que a maior parte das pessoas não usa a internet para abrir seu campo de visão. Ao contrário, elas se fecham em cercados ideológicos, construindo zonas de conforto. É a opção por viver em um condomínio virtual, circundado por muros digitais, guardas do pensamento político e algoritmos exercendo a triagem em cancelas binárias. É a opção por um mundo imaginário, sem controvérsias, sem conflitos, sem exposição às diferenças.

As pessoas compartilham reações emotivas nas redes sociais e às vezes organizam-se, a partir dali, para sair às ruas. Gritam todas os mesmos slogans, mas na realidade têm interesses divergentes e expectativas nebulosas. Depois, voltam para casa contentes pela fraternidade criada com os demais numa solidariedade falsa, como apontou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017). A incidência efetiva dessas mobilizações nascidas nas zonas de conforto é, no entanto, duvidosa. Muitos citam as primaveras políticas que explodiram nas redes mundo afora, mas quase ninguém é capaz de enumerar quais conduziram a algum verão duradouro.

As causas dos políticos antissistema propagandeadas pelos novos meios sociais relacionam-se com a crise de confiança na democracia. Essa crise é derivada da forma como os agentes políticos corroeram — por incompetência, inoperância ou corrupção — a confiança nas instituições representativas.

Uma frase do filósofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937) volta e meia é usada para explicar o estágio atual: “Se o velho morre e o novo não nasce, neste interregno ocorrem os fenômenos mórbidos mais diversos”. Hoje, os velhos instrumentos não funcionam mais; mas os novos ainda não existem — a não ser como farsa, no malfadado golpe do velho travestido de novidade.

 

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